Breviário de leituras: O fabuloso teatro do gigante
«O Dr. Silveira chegou à casa do Centro Social da Paróquia de Lagares pouco depois das dez da manhã. Atravessou os jardins quase a correr, pois embora a fumaça negra tivesse dissipado durante a noite, o cheiro podre dos animais queimados intensificara-se muito nas últimas horas e começava a revelar-se insuportável permanecer no exterior. Passou sem reparar junto das telas que o gigante tinha pintado no dia anterior e entrou espavorido pela porta, segurando o nariz e a boca com a mão para evitar inalar o mau odor. Eunice esperava-o desde as nove e recebeu-o sem alterar a expressão consternada. Disse-lhe: "Eu tinha avisado, doutor. Venha comigo." No quarto do casal a atmosfera estava baça e enfartada. Os gémeos estavam deitados, um de cada lado do gigante, como duas sentinelas bíblicas. Havia um silêncio de tréguas interrompido apenas pelo respirar grave e profundo de Thomas. O Dr. Silveira escutou o ressonar cavernoso e observou atónito o bavárico peito do seu amigo subir e descer. "Mas está a dormir", disse. "Ao telefone fiquei com a sensação que tinha morrido."
- Nunca disse que estava morto - respondeu Eunice sem se altercar. - Apenas adormeceu para sempre.»
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