Breviário de leituras: O búfalo da noite
«Fechou os olhos, enroscou-se debaixo dos cobertores e pediu-me para a abraçar. Adormeceu enquanto lhe acariciava os ombros. Amanheceu. Separei-me dela com cuidado e fui até à janela. O dia divisava-se claro, sem nuvens, sem chuva. A Tania ressonou ligeiramente e virei-me para a olhar. Segundo parecia, sonhava, porque emitia pequenos ruídos estalando os lábios.
Sentei-me ao lado dela. Observei-a e imaginei-a velha. Imaginei no seu rosto a marca do tempo: os olhos afundados, a boca débil, a dentadura roída, o queixo pendurado. Imaginei o seu abdómen estragado pelas gravidezes, as suas pernas ressequidas, os seus braços debilitados, os seus seios descaídos.
Se casasse com ela, de que falaríamos sessenta anos depois? De que nos lembraríamos? Dormiria nua ao meu lado, assim, sem pudor? Faríamos amor beijando-nos com as nossas bocas desdentadas? Quem morreria primeiro?
Estendi-me ao lado dela, abracei-a de novo e pouco a pouco fui adormecendo.»
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