Planet terror
E depois de uma noite de "trabalho", lá fomos parar a uma danceteria perdida entre o Cartaxo e Pontével. À porta da danceteria, o cartaz anunciava um futuro concerto de Lucas & Matheus. Lá de dentro, saía um casal de cinquentões e a sua netinha. Alheios aos sinais, entrámos. E à nossa frente, um mundo novo se revelou.
Por entre homens com idade para já ter tido e deixado de ter juízo (todos eles de proeminente barriga, farfalhudo bigode, mão direita na imperial e mão esquerda no bolso de ganga) e mulheres que deveriam fazer parte do clube do costura local (escondidas por trás de quilos de colares e pulseiras e brincos e montras faciais de maquilhagem variada), abria-se a pista de dança, qual cenário de reality-show decadente. Do lado de lá, num palco emoldurado a branco e vermelho, o jovem cançonetista dominava o sintetizador com o savoir-faire de uma cassete gravada, enquanto debitava distraidamente sons guturais que se assemelhavam a canções ligeiras. Muito ligeiras.
Depois de nos abastecermos do combustível que ali procuráramos, decidimos, em uníssono, seguir directos para esplanada. Um erro que o frio da noite logo nos revelou. No regresso à sala, não conseguimos evitar o olhar de espanto: pendurado no tecto, o mais clássico e luminoso lustre, inveja tanto das avózinhas da terra como do Palácio de Seteais. Ao lado do lustre, três bolas de espelhos em escadinha - que uma danceteria quer-se moderna!
Lá nos sentámos, na mesa 2, perante os olhares curiosos dos nativos. E ali nos deixámos ficar, um grupo bizarro de cinco trintões, todos de óculos (os únicos de óculos), sentados na mesa 2 da danceteria mais improvável do século XXI, a assistir ao estranho ritual que se passava à nossa frente. A cada nova canção, a pista enchia-se de casais a dançar uma qualquer dança tribal de engate. Assim que a canção terminava, os casais (desde os mais velhos e conformados aos mais jovens e apaixonados) dirigiam-se apressadamente para as suas mesas e sentavam-se. Um minuto depois, quando o cançonetista arrancava com outra canção, os mesmos casais e outros pares entretanto formados voltavam à pista para retomar a dança do ponto onde a tinham terminado. E assim se passou a noite...
Pela pista fora lá deambularam a Cruela da vila, de cabelo branco e preto a condizer com o casaco preto e branco, e o seu par, trajado a ganga dos pés ao pescoço. E o jovem casal vibrante que ensaiava gestos sexuais como se a pista fosse a cama e o mundo fosse acabar dentro de nove semanas e meia. E o par de raparigas de t-shirt larga, tão inexpressivas e arrastadas que conseguiram retirar à sua dança qualquer resquício de sensualidade e erotismo e destruir todas as fantasias masculinas que pudessem envolver duas mulheres a dançar juntas... Até o par do lado - duas moças iguais e igualmente enormes, de top curto e licra justa - conseguia distribuir um pouco mais de alegria por entre os seus 200 quilos de dirty dancing!
Não passaram pouco mais de vinte minutos e uma imperial até decidirmos mudar de ares - não era fartura, era apenas a consciência de não se poder abusar de uma imagem assim, não fosse o tempo normalizar aos nossos olhos a mais bizarra das danceterias. Daquelas que pensávamos já não existirem, mas que, afinal... E à saída, o país pareceu-nos mais profundo, mais real, mais Portugal.
Por entre homens com idade para já ter tido e deixado de ter juízo (todos eles de proeminente barriga, farfalhudo bigode, mão direita na imperial e mão esquerda no bolso de ganga) e mulheres que deveriam fazer parte do clube do costura local (escondidas por trás de quilos de colares e pulseiras e brincos e montras faciais de maquilhagem variada), abria-se a pista de dança, qual cenário de reality-show decadente. Do lado de lá, num palco emoldurado a branco e vermelho, o jovem cançonetista dominava o sintetizador com o savoir-faire de uma cassete gravada, enquanto debitava distraidamente sons guturais que se assemelhavam a canções ligeiras. Muito ligeiras.
Depois de nos abastecermos do combustível que ali procuráramos, decidimos, em uníssono, seguir directos para esplanada. Um erro que o frio da noite logo nos revelou. No regresso à sala, não conseguimos evitar o olhar de espanto: pendurado no tecto, o mais clássico e luminoso lustre, inveja tanto das avózinhas da terra como do Palácio de Seteais. Ao lado do lustre, três bolas de espelhos em escadinha - que uma danceteria quer-se moderna!
Lá nos sentámos, na mesa 2, perante os olhares curiosos dos nativos. E ali nos deixámos ficar, um grupo bizarro de cinco trintões, todos de óculos (os únicos de óculos), sentados na mesa 2 da danceteria mais improvável do século XXI, a assistir ao estranho ritual que se passava à nossa frente. A cada nova canção, a pista enchia-se de casais a dançar uma qualquer dança tribal de engate. Assim que a canção terminava, os casais (desde os mais velhos e conformados aos mais jovens e apaixonados) dirigiam-se apressadamente para as suas mesas e sentavam-se. Um minuto depois, quando o cançonetista arrancava com outra canção, os mesmos casais e outros pares entretanto formados voltavam à pista para retomar a dança do ponto onde a tinham terminado. E assim se passou a noite...
Pela pista fora lá deambularam a Cruela da vila, de cabelo branco e preto a condizer com o casaco preto e branco, e o seu par, trajado a ganga dos pés ao pescoço. E o jovem casal vibrante que ensaiava gestos sexuais como se a pista fosse a cama e o mundo fosse acabar dentro de nove semanas e meia. E o par de raparigas de t-shirt larga, tão inexpressivas e arrastadas que conseguiram retirar à sua dança qualquer resquício de sensualidade e erotismo e destruir todas as fantasias masculinas que pudessem envolver duas mulheres a dançar juntas... Até o par do lado - duas moças iguais e igualmente enormes, de top curto e licra justa - conseguia distribuir um pouco mais de alegria por entre os seus 200 quilos de dirty dancing!
Não passaram pouco mais de vinte minutos e uma imperial até decidirmos mudar de ares - não era fartura, era apenas a consciência de não se poder abusar de uma imagem assim, não fosse o tempo normalizar aos nossos olhos a mais bizarra das danceterias. Daquelas que pensávamos já não existirem, mas que, afinal... E à saída, o país pareceu-nos mais profundo, mais real, mais Portugal.
eh pá. Que grande posta!!
beijinho
Posted by Filipa Paramés | 20:24
A pura mentira.
Lembro-me, Ricardo, como cruzámos a sala de anca na anca ao som do Viva La España. Como respiraste no meu cachaço, como delambido pegastes na Super Bock, daquelas novas, com a mão direita e a deixastes cair sobre meu ventre,
êxtase, Ricardo, êxtase,
Porque nunca pensei que fôssemos os cinco aquela discoteca que tu tanto mal dizias mas, lembras-te, deste-me a mão e voamos na sala sei lá quantas vezes, tu a fazer beicinho para a Célia, aquela tua namorada de Pontével, em 1982, tinhamos vindo de África, fazias rádio na
Voz de Luanda
e eu, aqui na Lipps, a lembrar tudo isso, com a permanente novinha.
Posted by JVA | 16:30