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22 abril 2008 

Breviário de leituras: A loja dos suicídios

A loja dos suicídios, Jean Teulé

«Um jovem vagabundo entra na Loja dos Suicídios. Traz um grande sobretudo sujo apertado por cima de um monte de camisolas de lã esfarrapadas. As calças manchadas caem-lhe pelas pernas abaixo. Os pés embrulhados em sacos do lixo escortanhados, pergunta com uma voz rouca de tosse:
- Queria matar-me, mas não sei se tenho meios para isso. Qual é o mais barato que têm?
Mishima, de camisola cor de ferrugem e decote em V sem mangas por cima de uma camisa azul-petróleo, responde-lhe:
- Quem não tem um tostão sufoca-se com os nossos sacos de compras. São muito resistentes. Olhe, leve também um bocado de fita adesiva para o fechar hermeticamente à volta do pescoço.
- Quanto lhe devo?
- Deixe lá... - sorri, com a boca num ricto, o Sr. Tuvache.
O jovem vadio de dentes podres, debaixo de uma touca chinesa de lã vermelha de onde saem cabelos poeirentos e sujos, lamenta-se:
- Se eu tivesse encontrado mais vezes gente desinteressada como o senhor, não estaria assim... ou se os meus pais fossem assim atenciosos e protectores...
Ao ouvir isto, Mishima zanga-se:
- Pronto!
Mas o sem-abrigo reconhecido insiste, exibindo o saco de compras que lhe deram:
- Para lhe agradecer, vou enfiá-lo no banco ali em frente. Quem passar, vai ler o nome da loja na minha cabeça e assim faço publicidade. Serei uma espécie de homem-sanduiche.
- Isso mesmo... - diz Mishima, cansado, abrindo-lhe a porta e sentindo o frio lá fora. - Saia depressa, que gelo!
Porta fechada, o Sr. Tuvache, febril, cruza os braços e esfrega as mãos na camisa, dos ombros aos cotovelos, para se aquecer. Afasta um pouco as bolsinhas-surpresa que estão na janela perto da caixa, e passa a palma da mão na humidade dos vidros.
Olha para o jovem sem-abrigo lá fora, que chega ao passeio em frente e se senta num banco. Vê-o meter o saco pela cabeça, aconchegar a abertura e colá-la com fita adesiva. Parece um ramo de flores numa garrafa. O ramo começa a mexer-se. O saco hermético enche-se de ar, esvazia-se, enche-se de ar outra vez. O nome da loja abre-se como num balão: Loja dos Suicídios. De pés cruzados, mãos nas algibeiras do pesado sobretudo e cabeça tapada, sufoca e tomba para um lado. Agora pode ler-se na outra face do saco: A sua vida foi um fracasso? Connosco, a sua morte será um sucesso! O rapaz cai no passeio.
Lucrécia aproxima-se do ombro do marido como se deslizasse sobre carris e observa também. Extraordinariamente digno, o porte da sua cabeça num pescoço de pássaro ressuma a nobreza. Por cima do camiseiro de seda vermelha entreaberto, o tom castanho de uma mecha de cabelo na testa dá estilo ao penteado. Dir-se-ia que está inspirada. A boca comprida, algo crispada, abre-se e os olhos sombrios estreitam-se como se visse mal ou muito ao longe diante de si:
- Pelo menos já não tem frio.»
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B.I.

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