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16 junho 2006 

Trancas à porta (das coisas desagradáveis)

Tinha sempre todas as precauções. Se assim não fosse, ficava com aquele sentimento de que faltava qualquer coisa, aquela pressão no estômago, aquele vagar na mente de quem não está decidido, de quem não está pronto.

Por isso, não saía de casa sem confirmar que estavam fechadas todas as janelas, desligadas todas as luzes, sossegadas todas as provas da sua ausência. Não seguia sem ver que estava tudo trancado, tudo selado na sua mente. Não largava o carro sem trancar duas vezes as portas, sem verificar que os vidros ficavam fechados, o volante trancado, o travão de mão esticado até cima. Não se ia embora sem ver piscar a luzinha do alarme. Não ía de fim-de-semana sem conferir que desligava o computador, sem esquecer que apagava a password do computador. Sem trancar o armário e as gavetas. Sem resguardar as pastas de pendentes no arquivo. Não ía de fim-de-semana sem o sentimento do dever seguro. Não ía de férias sem fechar persianas, sem desligar as fichas da televisão, do computador, do rádio, sem confirmar que tinha tudo na mala e na mão, que levava os bilhetes, as chaves, os telefones. Não ía de férias sem acreditar que assim como estavam as coisas era como estariam no regresso.

Tomava sempre todas as precauções. Com a casa, com o carro, até com o local de trabalho. Para não ficar com aquela sensação de vagar, de vazio.

Na véspera de ir de viagem, assaltaram-lhe a arrecadação... Nunca ligara muito à arrecadação. Não tinha nada de valor, nada que valesse a pena roubar. Nunca tinha ido verificar que a porta estava bem fechada, que a luz estava bem apagada. E na véspera de ir de viagem, percebeu que nunca mais iria deixar de sentir aquela sensação de vazio, aquela pressão no estômago, aquele vagar na mente de quem nunca está decidido. Percebeu que não estava nas suas mãos... e foi de viagem.

B.I.

Coisas Breves

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