Epitáfio num jornal
«Requiem por um prédio bonito na Avenida Duque de Loulé
Não era um prémio Valmor de Arquitectura; não estava inventariado ou protegido pelo Instituto Português do Património Arquitectónico; a câmara também não lhe deu valor. Era apenas um prédio bonito de Lisboa, gaveto da Duque de Loulé com a Rua Camilo Castelo Branco. Tinha uma fachada azul-turquesa, janelas altas, cinco pisos de pé direito de "antigamente", e idade avançada, muito próxima dos cem anos. Não estava em avançado estado de degradação. Sofria, sobretudo, de abandono premeditado. Foi a sede de um sindicato afecto à CGTP - a placa estava, ainda há poucas semanas, pendurada numa das janelas, e noutra, durante anos a fio, um pedido de licenciamento urbanístico. Durante todo este tempo que se manteve de pé, como as árvores, amparou a tristeza do abandono no seu vizinho do lado, um imóvel da mesma época, esse sim em avançado estado de degradação. Há coisa de um mês, montaram-se andaimes a toda a sua altura e largura. Cobriu-se-lhe a fachada com uma tela verde. Achou que lhe iam restituir a glória e o brilho de antigamente. Que estava salvo. Mas não - destruiram-no. Nunca pensou que lhe viessem a escrever um epitáfio num jornal. Julgou que ninguém daria pela sua falta. Era só mais um prédio devoluto de Lisboa, junto ao Marquês de Pombal, com alguma esperança de poder vir a ressuscitar. E, no meio do entulho, torce para que o seu destino não se repita, quer no seu vizinho do lado de tantos anos, como mais acima, num imóvel imponente que ocupa um quarteirão inteiro, e que também tem, à janela, a mesma placa de pedido de licenciamento, que é um prenúncio de morte.»
(Diana Ralha, na página 54 do Público de hoje.)
Não era um prémio Valmor de Arquitectura; não estava inventariado ou protegido pelo Instituto Português do Património Arquitectónico; a câmara também não lhe deu valor. Era apenas um prédio bonito de Lisboa, gaveto da Duque de Loulé com a Rua Camilo Castelo Branco. Tinha uma fachada azul-turquesa, janelas altas, cinco pisos de pé direito de "antigamente", e idade avançada, muito próxima dos cem anos. Não estava em avançado estado de degradação. Sofria, sobretudo, de abandono premeditado. Foi a sede de um sindicato afecto à CGTP - a placa estava, ainda há poucas semanas, pendurada numa das janelas, e noutra, durante anos a fio, um pedido de licenciamento urbanístico. Durante todo este tempo que se manteve de pé, como as árvores, amparou a tristeza do abandono no seu vizinho do lado, um imóvel da mesma época, esse sim em avançado estado de degradação. Há coisa de um mês, montaram-se andaimes a toda a sua altura e largura. Cobriu-se-lhe a fachada com uma tela verde. Achou que lhe iam restituir a glória e o brilho de antigamente. Que estava salvo. Mas não - destruiram-no. Nunca pensou que lhe viessem a escrever um epitáfio num jornal. Julgou que ninguém daria pela sua falta. Era só mais um prédio devoluto de Lisboa, junto ao Marquês de Pombal, com alguma esperança de poder vir a ressuscitar. E, no meio do entulho, torce para que o seu destino não se repita, quer no seu vizinho do lado de tantos anos, como mais acima, num imóvel imponente que ocupa um quarteirão inteiro, e que também tem, à janela, a mesma placa de pedido de licenciamento, que é um prenúncio de morte.»
(Diana Ralha, na página 54 do Público de hoje.)