Breviário de leituras: A nuvem de smog e A formiga argentina
«Eu voltava para o meu quarto, e ao ver a prateleira do lavatório ou o quebra-luz com um dedo de pó em cima dava-me uma grande raiva: aquela mulher passava o dia a pôr brilhantes como espelhos as suas salas e no meu quarto não servia nem para dar uma passagem a pano. Ia ao lado de lá decidido a fazer-lhe uma cena, com grandes gestos e caretas; e ia encontrá-la na cozinha, e esta cozinha ainda estava pior que o meu quarto: com o oleado da mesa gasto e todo manchado, chávenas sujas na prateleira do armário, os azulejos todos desconexos e enegrecidos. E eu ficava se palavra, porque compreendia que a cozinha era o único lugar de toda a casa em que aquela mulher realmente vivia, e o resto, os quartos bem arranjados e continuamente varridos e encerados eram uma espécie de obra de arte em que ela depositava todos os seus sonhos de beleza, e para cultivar a perfeição daquelas salas condenava-se a não viver nelas, a nunca lá entrar como dona e senhora mas só como mulher a dias, e o resto do dia a passá-lo no meio da gordura e da poeira.»
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