«Refiro-me aqui a Times Square, em plena década de cinquenta, a minha Times Square, que vibrava em todo o seu esplendor berrante, onde deixei pela primeira vez a minha marca neste mundo. A Times Square dos salões de
pinball e discotecas manhosas, do velho grande hotel Sheraton-Astor e dos antros piolhosos para agarrados que o cercavam, dos teatros da Broadway onde nunca pus os pés e do Roxy Burlesque, com as suas
strippers de segunda a mostrarem as carnes para públicos de terceira, que certamente frequentei. Estou a falar de lutas com arma branca para ver quem ficava com as estudantes no White Rose, de cachorros quentes comprados no Nedick's, nas grandes apostas em jogos de bilhar no Ames Billiards, no mercado de néon com os seus fatos falsificados, das molas para exercitar o tórax, e das garrafinhas castanhas cheias de cantárida. Times Square de saltos altos e decotes baixos, de zaragatas e ponta-e-molas com cabos perlados, de fanáticos do
jazz à cata de erva, de viciados em benzedrina à procura de Deus, de táxis amarelos com tejadilhos arqueados e sinais luminosos Motogram, de políticos que se pavoneavam e pegas que se prostituíam, enquanto o Satchmo tocava trompete. Havia ali pulgas a puxarem quadrigas, vacas com três cabeças, turistas e carteiristas, pregadores de esquina, homens casados dos subúrbios à procura de orgias que não custava encontrar, essa é que é essa, com meninos malandros de calças de ganga bem justas. Era ali que o Charlie Parker tocava desenfreado e incompreensível no Birdland, que o Dizzy enfunava as bochechas no Onyx. No cinema Criterion estava em exibição o
Horas de Desespero, no Lyric podia ver-se o
Killer's Kiss. Viam-se ali o anúncio da Pepsi-Cola, o anúncio da Canadian Club, os anúncios às televisões Admiral, o anúncio aos cigarros Hit Parade com o seu
slogan "
The Tobacco, the Tip, and the Taste!". Diga-me lá se isso não é do piorio? Deviam chamar a atenção da Philip Morris. O Warner tinha o
Search for Paradise em exibição, e, moça, deixe-me dizer-lhe que, quando saí daquele túnel, órfão e falido, sem passado a que voltar onde só havia mágoa, nem alento para avançar excepto uma esperança impossível, descobri o meu paraíso ali mesmo, em Times Square.
Estava no meio daquele circo total, por baixo do anúncio aos cigarros Camel na esquina da Rua 44, a distribuír os meus panfletos com o esboço de uma
stripper com aquele ar de quem nos chama para perto, quando topei pela primeira vez o Chefe.»
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